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domingo, 15 de maio de 2011

AS AVENTURAS DE UM MENINO

AS AVENTURAS DE UM MENINO



Peri Silva era meu primo, filho de um sargento aposentado, ele também se criou na minha região e sempre nos demos muito bem, apesar do que agora contarei ter acontecido quase que somente por iniciativa dele.
Esse meu primo era um desses artistas do interior, que nascem com a arte em seu sangue e muitas vezes passam a vida sem ter uma chance de expressa-la. Tocava muito bem seu velho violão e cantava, com a particularidade de que só sabia cantar as músicas de um cantor que, provavelmente hoje ninguém mais conheça, mas que no tempo em que essa história se passará era muito famoso. Somente alguns poucos viventes que viram passar o ano de 1954, saberão de quem estou falando, mas eu asseguro que o mexicano Miguel Asseves Micios, de quem meu primo era muito fã, foi muito famoso nesses anos que o tempo já tragou para dentro de nossas fracas memórias.
O caso é que, em algumas de suas apresentações artísticas, meu primo me levava para acompanhá-lo com meu pandeiro; e tínhamos além de muita amizade e planos dignos de nossa juventude.
Tudo começou a acontecer realmente, devido ao temerário espírito empreendedor desse meu primo que possuía como fruto de seu trabalho e investimento, uma máquina de exibir filmes, que já era antiga naquela época, mas que lhe rendiam alguns trocados por ser difícil ao povo daquelas paragens deslocar-se para centros maiores onde houvesse cinema, e que por ali não havia nem sequer a desconfiança de que algum dia viesse a existir a hoje tão difundida televisão.
Quase sempre esses filmes eram de Mazarope, e obviamente lotavam os pequenos recintos que meu primo conseguia alugar no interior. Fato que por si só já era para ele um feliz indicativo de que poderia expandir seu negócio. E nós, seus amigos entramos em seu plano.
Eu e alguns outros bons amigos; Elói, André, Pedrinho, Dande e Perna de pau entraríamos com quantidade de dinheiro igual ao que fora investido por meu primo e ficaríamos sócios no negócio que parecia ser muito compensador financeiramente porque dentro de seus planos de expansão estava realizar sessões de cinema nas localidades vizinhas e cada vez mais longe. Eis porque precisava de nós como seus sócios. O total do capital conseguido entre todos nós ainda nos obrigava a transportar todos os instrumentos em nossas bicicletas. E meu primo queria oferecer um espetáculo muito além da simples exibição do filme de Mazzarope. Queria que tivéssemos outras atrações, dentre as quais sua cantaria, uma comédia com palhaços e o que mais pudéssemos inventar para ir incrementando o espetáculo. Espetáculo que com o tempo chegaria a ser, segundo seus planos, muito grande devido ao quanto o povo daqueles lugares tinha dificuldade de encontrar diversão.
Obviamente, como empreendedor que sempre foi, meu primo Peri se encarregou dos preparativos para iniciar nossa nova atividade assim que concordamos com seu plano. Esses preparativos incluíam a confecção de grandes cartazes para nos anunciar, e conseguir o local para nossa grandiosa estréia. O lugar escolhido por meu primo foi Ibiararas, que era um lugarejo distante uns vinte quilômetros de Lagoa Vermelha, e desafortunadamente me lembro que entre um e outro ainda existia um terceiro lugarejo que se chamava Peso-Milho, local que já nesse tempo tinha grandes motivos para nunca mais esquecer, porque quando chegamos àquela região foi nossa primeira colocação, e ali ficou sepultado um de meus im1ãos quando tinha ainda um ano de idade. Coisa extremamente triste não só pelo fato de ele ter morrido, mas ainda pelo fato de que eu e meus outros im1ão, todos nós ainda crianças, tivemos que sepultar nosso im1ãozinho, enquanto meu pai ficou em casa cuidando de minha mãe que estava muito doente.
Isso somente seria motivo de sobra para eu não mais querer nem ver esse local, mas como o destino sempre está procurando um jeito de nos fazer viver o que não queremos, eu tive mais e mais motivos para guardar ainda mais lembranças de Peso-Milho, quando do sepultamento de meu desafortunado irmão, minha mãe que não pôde estar presente por esse motivo me fez prometer que eu acenderia uma vela com as intenções dela para com o falecido. Eu prometi, mas imagine como eu me sentia tendo a responsabilidade de providenciar um sepultamento sendo somente uma criança, queria mais era me ver livre da obrigação logo; e acabei esquecendo da promessa que havia feito à minha mãe.
Essa história da vela prometida e não acesa me acompanhava por todas as horas do dia causando remorsos, e à noite pesadelos. Até que eu pude reunir coragem e confessar para obter o perdão de minha doce e compreensiva mãe. Assim obtendo a paz que minha alma precisava há muito tempo.
O local que Peri nos conseguiu era um pavilhão, administrado pelo padre; colou os cartazes do espetáculo por toda parte e um dia antes do agendado, colocamos em nossas bicicletas os materiais que necessitávamos e partimos para Ibiararas, aonde chegaríamos depois de vinte quilômetros de estrada de chão empoeirada e mal cuidada. Naquele tempo não tínhamos veículos motorizados na região, o veículo usado pela maioria era mesmo a carroça, o que deixava a estrada difícil de transitar com bicicletas. Some-se a isso o fato de que eu era o mais franzino da turma e veremos que eu acabei ficando no fim da fila de bicicletas, o que me assustou um bocado quando estávamos passando pelo cemitério de tantas más impressões, mas com o fato de que eu fora perdoado pela minha mãe, me benzi e passei sem maiores problemas.
Ao chegarmos à cidade em que apresentaríamos o espetáculo, fomos diretamente falar com o religioso para pegarmos as chaves do pavilhão e assim podermos descansar um pouco e aprontar o local para o espetáculo de logo mais à noite. Muito nos entusiasmou o fato de que como previra Peri, a população do lugar só falava na bendita apresentação. Estávamos a caminho de nos tomarmos grandes no ramo de espetáculos, ao menos foi o que pensamos naquelas horas agradáveis onde fizemos ainda mais e mais planos para nosso futuro que certamente seria brilhante.
Apesar de estarmos preparados e prevermos uma grande audiência, nos surpreendemos com a quantidade de pessoas que lotou o pavilhão até nos corredores, tínhamos até as pessoas ilustres do lugar, o padre e dois soldados, sentados na primeira fila. Fato que era muito bom, mas que depois foi motivo de mais preocupação.
Segundo o programa a primeira parte do espetáculo seria a apresentação do filme e, enquanto meu primo operava a sua máquina das mil maravilhas eu estava encarregado de apresentar o grande acontecimento, e comecei a agradecer a acolhida das pessoas e coisas do tipo para estabelecer o primeiro contato. Até esse momento ainda éramos felizes, o problema começou realmente a partir de quando anunciei o grande filme, desliguei as luzes e o bendito filme não começou. Meu primo não estava conseguindo pôr para funcionar a máquina, fiel depositaria de nossos sonhos e agora, aparentemente também de nossas desgraças.
Enquanto meu primo lutava com o motivo de nosso infortúnio eu comecei a ouvir algumas vaias e percebi que os presentes estavam perdendo algo mais que seu tempo; sua paciência. Isso somado ao fato de que éramos iniciantes no ramo e que tínhamos feito tantos sonhos há poucas horas atrás estava me levando ao desespero total. Eu não sabia o que poderia fazer.
Então, depois de perceber que a situação estava realmente muito complicada, não só pelo fato de que a tal máquina não queria funcionar, mas também pelo fato de que as autoridades da primeira fila nos deram o benevolente prazo de dez minutos para iniciarmos nossos trabalhos, meu estimado primo que nos botou naquela situação, mas que também era o nosso homem da idéias, nos reuniu e comunicou que a máquina realmente estava difícil de pôr em ordem dentro do tempo de que dispúnhamos e que a saída que restava era fugirmos todos enquanto tínhamos saúde para fazer isso. Eu que sempre fui meio azarado com relação aos planos de Peri fiquei com a parte de distrair o adversário para efetuarmos a grande escapada. Enquanto eu falava com a platéia que me vaiava desbragadamente, anunciando uma pequena mudança no roteiro original, meus amigos estariam preparando nossas bicicletas. Anunciei que teríamos agora a comédia antes do filme, e que com certeza, ao fim da comédia a tal máquina estaria pronta para funcionar.
Anunciei e me retirei para os bastidores onde meus grandes amigos haviam deixado somente a minha bicicleta e quem sabe alguns poucos votos de felicidades para a fuga. Sozinho, no escuro, meio perdido me pus a procurar a estrada para Lagoa Vermelha quase que a rumo, enquanto nossos prezados espectadores aguardavam o início da nossa espetacular comédia. Numa escuridão que era muito mais na minha imaginação, hoje eu sei, mas naquela hora nem se me explicassem eu acreditaria, me parecia que a multidão vinha atrás de mim e eu redobrava meus esforços aos pedais para conseguir alcançar aqueles que se ainda fossem meus amigos, certamente nunca mais seriam meus sócios. Acontece que a escuridão não era tão imaginária assim e eu me vi em franco desespero quando cheguei ao cemitério de que já falei me trazer tantas recordações ruins e vi aquela coisa.
Havia uma caveira na beira da estrada e dela saia uma luminosidade pelos orifícios onde seriam os olhos, o nariz e a boca. Essa claridade fantasmagórica rodeava toda a caveira dando-lhe um aspecto que sinceramente me assusta ainda hoje em minhas lembranças, apesar do que posteriormente se sucedeu. Imaginei que certamente aquilo era uma manifestação do sobrenatural me cobrando a vela que eu prometera e não acendera. Pus-me a rezar de joelhos em desesperado estado de terror. E foi assim, rezando e chorando que passei pela caveira para continuar a fuga que estava empreendendo, mas não consegui tirar o terror daquela visão de minha mente, me virando de quando em vez para confirmar que eu não estava sendo seguido pela visagem, e mesmo assim tendo sempre a impressão de que estava realmente sendo seguido e mais, que nunca mais iria me livrar dela. Numa dessas olhadas para trás o destino novamente quis me divertir um pouco com um fantástico tombo dentro de um potreiro que ficava à beira da estrada. Maldizendo minha sorte, me levantei ainda meio tonto e no desespero duplo que sentia me pus a pedalar o mais rápido que pude para conseguir fugir ao menos das pessoas que certamente deviam estar quase me alcançando devido ao fato de que eu parei no cemitério e perdi nisso uma parte da vantagem que tinha ao iniciar a minha fuga. Agora sim, tudo estava se fazendo um sofrimento sem solução para a minha atormentada consciência. Eis que a visagem volta a aparecer em meu can1inho e eu sem nem ter como sentir desespero tive que arrumar forças dentro de mim e de minha religiosidade para enfrentar aquilo novamente. Com orações tinha dado certo antes, daria novamente. Mas, quando cheguei mais perto, percebi que a caveira agora estava do outro lado da estrada. Que raios de aparição se preocuparia com o lado da estrada para me assustar? Parei e me pus a analisar a situação da maneira mais racional que pude e cheguei à divertida conclusão de que devido ao meu tombo e a sua posterior confusão em meus sentidos eu tomara a estrada de volta para Ibiararas.
Quando finalmente cheguei à minha cidade, depois de muito acreditar que nunca o conseguiria, era já o nascer de um novo dia, que veio me trazer novas e desafortunadas revelações.
Chegando à cidade fui direto à casa de Peri para saber se eles tinham chegado e encontrei todos me esperando para me gozar pela brincadeira que haviam feito comigo. Os safados tiveram o extremado mau gosto de recortar a caveira numa melancia, roubar uma vela no cemitério e acendê-la dentro da tal melancia para me deixar de presente. E ainda riam disso. Achei aquilo muito sujo da parte deles e se enquanto fugia não queria mais saber de sociedades com eles, mas admitia continuar amigo, agora eu não queria nunca mais saber de amizade com esses grandes camaradas que, mesmo estando em fuga ainda arrumam um tempo para fazer uma brincadeira para divertir seu amigo também em fuga que está atrasado porque ficou lhes dando cobertura. Não aceitei minha parte no dinheiro do que considerei um golpe e saí dali muito descontente com meu primo e seus, agora somente seus, amigos.
Alguns dias depois me mudei para Francisco Beltrão, no Paraná e não queria nem saber notícia dos ex-amigos e ex-sócios.
Demorei-me todo um ano para regressar a passeio e ter uma outra grande surpresa da parte de meus amigos. Ao chegar, li num jornal de Vacarias o fato de que eles tinham sido castigados pelo golpe que aplicaram. Na matéria constava o nome de todos os envolvidos, menos o meu. Meus ex-amigos eram real e novamente meus amigos, pois não me envolveram na lamentável história. Experiência de vida que me
acompanha e muito tem me ajudado ao julgar as atitudes das pessoas com as quais Deus tem a bondade de permitir que eu me envolva desde então.















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