QUEM FAZ O BEM RECEBE O DOBRO
Os nomes das personagens desta história não são verdadeiros, para não constranger as personagens reais.
Lá por 1969, quando eu trabalhava no posto de saúde, como vigilante sanitário, fui chamado para atender uma ocorrência de uns cidadãos que estavam vendendo carnes clandestinas. Matavam a criação debaixo de árvores e vendiam para os moradores da cidade sem qualquer cuidado higiênico.
O Sr. Sebastião falou-me para eu pedir a um soldado da polícia que me acompanhasse até a residência do seu Joaquim para fazer apreensão da carne. Fui até a delegacia, contei ao delegado o que estava acontecendo e ele ordenou que um dos soldados fosse comigo.
O soldado pegou o jipe, único veículo disponível para fazer diligências, e embarcamos para a dita diligência. Antes de sairmos, o soldado ao conferir o tambor do seu revólver, percebeu que estava vazio e então fomos até o subdelegado de polícia para conseguir balas, ele tinha apenas duas, mas mesmo assim nos forneceu as balas. O soldado colocou-as no cilindro do seu revólver e finalmente partimos para a nossa missão.
Tínhamos ordem de fazer apreensão de toda a carne, mesmo a que encontrássemos nas mãos dos consumidores na estrada.
Analisando a situação, sugeri ao soldado que fizéssemos apenas uma visita ao local onde estava sendo vendida a carne e déssemos uma orientação ao vendedor, para que ele se regulamentasse. Achei que seria melhor dar uma oportunidade antes de dar um castigo.
Durante o trajeto encontramos várias pessoas trazendo pacotes de carne nas mãos. Ao chegarmos ao local, onde estavam carneando os animais encontramos muita gente e alguns açougueiros. Fomos recebidos pelo proprietário, que não nos conhecia, pois fazia pouco tempo que eu e o soldado morávamos no município. Deu-nos um banco para sentarmos e nos trouxeram uns torresminhos para comermos até que ele pudesse atender-nos.
Acabada a venda de carne, o proprietário sentou-¬se ao nosso lado e nós nos apresentamos a ele e dissemos-lhe o motivo da nossa visita. Ele até que compreendeu, mas a sua esposa que estava dentro de casa perguntou o que nós estávamos fazendo ali. Ele respondeu-lhe em polonês que eu não entendi. Mas deve ter-lhe falado que estávamos ali para apreensão da carne a mando do Sr. Sebastião que era o maior inimigo político e pessoal deles.
Então a mulher salta porta fora, falando em polonês e com uma arma de grosso calibre apontada para nós. O seu Ricardo, o dono da casa e do gado que estava sendo carneado e vendido agarrou sua esposa antes que ela puxasse o gatilho. Ela desmaia e os açougueiros ao perceber o que estava se passando foram se aproximando, todos com uma faca na mão e falando em polonês. Eu e o soldado sem saber o que estavam falando, mas boa coisa não era, pois me olhavam de forma ameaçadora e gesticulavam com as facas na mão. O soldado não sabia o que fazer e tentava proteger-me com os braços.
Enquanto isso a mulher que havia desmaiado estava sendo colocada num caminhão para ser levada ao médico. Ao mesmo tempo um menino em disparada corre pelo potreiro, para avisar ao pai da mulher desmaiada o que estava acontecendo. Não sei o que o menino contou para o avô dele, porque de repente surge um homem enorme, no potreiro, com um 32 niquelado, correndo em nossa direção. Aí eu falei para o soldado que ligasse o jipe para irmos embora, pois a situação estava perigosa. Subimos no jipe, mas ele não funcionou, não tinha motor de arranque, tentamos empurrar e nada, enquanto isso o homenzarrão chegou perto de nós e apontou o revólver para a minha cabeça. O soldado pedia pelo amor de Deus para ele se acalmar, até que com muito jeito eu fui explicando a ele o que realmente se passara e depois de alguns minutos que pareceram horas para mim o homem tirou a arma da minha cabeça. Informado da situação, mas inconformado parou um pouco para pensar e aproveitando esse momento de distração dele, empurramos desesperadamente o jipe. Nunca fiz tanta força como naquele momento, mas valeu porque o jipe finalmente funcionou e fomos embora pelo meio da capoeira, correndo o mais que podíamos.
Ao contar para algumas pessoas sobre o que aconteceram, essas pessoas disseram-me que eu havia me metido no meio de uma intriga muito feia entre quem havia me mandado fazer a apreensão da carne e o dono da carne. Aí que eu percebi o perigo que eu havia corrido.
Depois de algum tempo ainda corria o boato que o homem que apontara o revólver para mim, queria acertar as contas comigo e com o Sr. Sebastião a quem eu era subordinado e que havia me mandado fazer a apreensão da carne. Eu me cuidava e tinha medo de uma represália, mas o tempo foi passando e não aconteceu nada, parecia que eram apenas comentários. Eu já estava conseguindo trabalhar mais tranqüilo, atendendo às pessoas normalmente. Só ficava mais apreensivo quando precisava atender algum parto à noite, no interior, para pessoas estranhas.
Em uma noite de chuva levei um susto muito grande, acordei com buzinas e logo em seguida ouvi pancadas fortes à porta. Meio temeroso fui atender e percebi que era uma pessoa simples que me pedia para eu socorrer sua esposa, que estava para ganhar nenê e passava muito mal. Peguei a minha maleta, entrei no jipe e partimos. Depois de duas horas de viagem por estradas e picadas, chegamos a um ranchinho no meio do mato. Entramos e já comecei a trabalhar com a parturiente que eu percebi ser uma índia que estava com muitas dores e assustada. Era meia noite quando cheguei lá e seis horas da manhã quando saí, deixando a índia medicada e com o seu indiozinho nos braços. O índio levou-me de volta para casa e ao chegarmos, perguntou-me quanto me devia e eu perguntei-lhe quem ia pagar o parto, ao que ele respondeu que seria a índia que iria derrubar mato para poder me pagar. Então eu falei que não ia cobrar nada, pois fiquei com pena do casal de índios. Ele agradeceu-me e foi embora.
Passado algum tempo, eu estava trabalhando no posto de saúde quando entra um senhor na minha sala. Ao olhar para ele tentando saber quem era, reconheci¬-o como o homem que havia me apontado o revólver no episódio da apreensão da carne. Levei um choque, senti meus cabelos em pé, mas não disse nada, nem sequer o cumprimentei. Fiquei paralisado. Ele veio até a mim, deu-me a mão e falou que tinha vindo pedir-me desculpas, que havia cometido um erro e falou uma porção de coisas que nem podem ser comentadas.
Espantado com tudo aquilo lhe - perguntei por que estava se desculpando e ele responde-me que a índia que eu havia socorrido e o marido dela eram seus agregados e por isso ele estava se desculpando comigo. Graças a isso acabamos ficando grandes amigos da família dele e o casal de índios, e o que havia acontecido antes não passara de um mal entendido.
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